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de sol a sol
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Dantes a vida era dura. Todos dizem e, pelos testemunhos,
assim era, pelo menos na segada. Era, de facto, de sol a sol.
O dia de trabalho começava ao nascer do sol com o desenjum,
em casa do dono da segada, pelas seis da manhã. Ninguém se sentava.
À porta de casa ou na cozinha, era pegar num cibo de pão com queijo,
azeitonas e um copo de vinho e toca a andar, a caminho da segada.
Lá chegados, era tempo de meter mãos à obra. Os profissionais
mostravam os seus pergaminhos: colocavam dedeiras e até enchabavam.
Além disso foram os primeiros a aparecer com as ceitouras de corte e
não de pique como era tradicional. As ceitouras de corte começaram a
vir de contrabando, trazidas pelos peliqueiros. Eram consideradas
perigosas porque, dizia-se, traçavam um dedo, redondo, num instante,
mas rapidamente se impuseram pela eficácia de corte.
À frente ia o capataz. Os restantes lá se colocavam, homens e
mulheres contrapeados, os homens com três sucos e as mulheres com
dois. O capataz era um segador experiente, da confiança do patrão e
cuja lealdade era paga com mais algum dinheiro, além da jeira. Ia à
frente, a abrir o eito ou a assucada, comandando o rancho e mantendo
um ritmo certo, de acordo com as instruções do patrão.
Os mais do fado desafiavam os restantes com os cantares da
segada, para animar e manter o ritmo.
Cada um doseava o seu ritmo mantendo uma pequena distância ao
da frente. Se o da frente começasse a atrasar-se, o que o precedia
dava um primeiro aviso batendo-lhe com as espigas no rabo. Se ele
não começasse a despachar-se partia-se para a afronta mais séria e
vergonhosa: a ultrapassagem. Os mais lentos lá iam fazendo das
tripas coração para não darem parte de fracos e aguentarem o ritmo.
Uns a cegar e outros a atar, dava-se uma escocha boa na terra, até à
hora do almoço.
Pelas nove horas, alegria geral ao avistar a burra, carregada
com os alforges do almoço que consistia nas famosas sopas da segada
e depois as batatas cozidas com bacalhau. As sopas da cegada, ainda
hoje, há quem as gabe e tenha saudades delas. Havia pequenas
variantes na forma de as confeccionar mas, basicamente eram sopas de
trigo amolecido com a água de cozer o bacalhau. Depois, deitava-se-lhe por cima uma sertã de azeite rijado com alho ou
cebola e colorau. O alho também havia quem o pusesse em cru por cima
das sopas, antes de lhe pôr o azeite rijado.
Findo o almoço, voltava-se à lida, até ao jantar, pelo meio
dia - batatas guisadas com canhono, arroz de feijão ou de grabanços
e salada de alface.
Ao almoço havia uma pausa de duas horas, uma para comer e
outra para descansar mas, na hora de descanso, supostamente para
dormir, os mais brincalhões aproveitavam para pregar umas partidas.
Pelas duas horas, sob o sol tórrido do Verão, era altura de voltar
ao serviço. Alguns aproveitavam para dizer, como o cigano: - Quanto
mais o sol quece, mais eu s(c)ego.
Pelas cinco da tarde vinha a merenda – Arroz de pordentros do
canhono, ou linguiça e presunto cozidos e salada de alface. Merenda
comida, companhia desfeita e a labuta continuava até ao pôr do sol –
pelas nove e meia.
No regresso à aldeia, já em casa do lavrador, era a hora da
ceia - Batatas cozidas com capote, azeitonas e caldo de rábias.
Nessa altura o cansaço já era tal que alguns preferiam nem cear para
irem mais cedo para a cama porque, no dia seguinte, a segada
continuava.
A acompanhar a comida, claro está, a cabaça do vinho não tinha
descanso, a rodar de boca em boca, sempre no mesmo ritual: cada um
recebia a cabaça, vinda do colega à sua direita, passava-lhe o
antebraço pelo gargalo para o “limpar”, bebia e entregava-a ao
colega à sua esquerda que fazia o mesmo e a passava ao seguinte.
Havia sempre quem reparasse quanto comia e bebia cada um dos outros
e, frequentemente, lá vinha a estória do outro que deu 27 vezes ao
nó e o patrão despediu dizendo que comia muito e não bebia mal, segava pouco e atava mal. O tacho ficava no chão, encima das toalhas
e cada um acilhava como podia, sentado ou ajoelhado, à volta do dito
e lá iam espetando o garfo ou a colher, todos do mesmo caçoilo. Era
um regalo ver toda a gente a comer e beber com apetite. Ninguém
tinha fastio e não era preciso esfregar-lhes a boca com vinagre.
Os segadores já sabiam quem eram os lavradores fomentos e os
que tratavam bem. Claro que os fomentos tinham sempre dificuldade em
arranjar segadores.
Enviado por José Magalhães
30/12/2005 |